sexta-feira, março 26

Janela

Linha 9, coluna 2 (endereço de quem observa do prédio matriz)
Ruas, carros, árvores, outros prédios, pessoas...
Pes-so-as...

Ela vinha da terceira pista, do ponto de onde partiu em alta velocidade mais um dos ônibus vindos de tantos lugares.
Parecia tranquila. Calças jeans, tênis, camiseta, a bolsa, o cabelo nos ombros, os óculos...a criatura das mais comuns, mas foi nela que me fixei.
Atravessou uma, duas, e a terceira pista? Um sinal enorme e demorado a interpelou.
Ali começou a observação.
Olhou, coçou, bateu o pé de forma ritmada, tocou na boca, na orelha, olhou o sinal, os carros, daí rodou em torno do próprio eixo, pousou uma das mãos sobre o quadril e nada, sinal vermelho.
Estava ansiosa por chegar do outro lado, como quem deseja nadar no mar, um mar de gente e de coisas a fazer.
Olhou, pensou, deveria ficar verde em segundos, mas ela não aguentou. Correu, costurou entre carros, ganhou a calçada oposta e voltou à tranquilidade inicial como se nada tivesse acontecido e se perdeu entre a gente e sob a marquise que me impediu de continuar.

Número 126- Rodoviária. Era o endereço agora. Preciso voltar pra casa. Preciso?
O menino surdo gesticula com sua mãe que tinha um cansaço nítido no rosto. Ele sorria como um louco, acho que porque não ouvia as buzinas.
A moça ao lado olhava o relógio, resmungava e cochilava. Os senhores que entravam com o cartão da gratuidade se enroscavam na roleta e a cobradora impaciente os fazia passar, atrás de mim um homem  sério que eu observava pelo vidro frontal, à frente o motorista que opinava sobre a polícia pacificadora no morro.
Mas nada melhor que o menino jogando bola sozinho numa quadra suja e quase abandonada que vi através da janela. Lembrei do André.

Adoro observar a vida lá fora.

(Darla)

quinta-feira, março 18

Sob o olhar de Alice [3]


Encontrei Alice sob a árvore,
Parecia-me pensativa, dedilhando a bainha do vestido como quem tem um rosário nas mãos.
O olhar baixo, mas longe, e olhos que se fechavam quando vez por outra ela levantava o rosto e suspirava.

Alice às vezes me parece tão carente, das carências que não se cobrem com presença.
Chamo de carência de si mesma, uma eterna procura interior pelo que ela pressente ser.

Ela pergunta:_ Comi uvas por toda a tarde, e agora, como faço pra tirar este entalo?
Ela culpava as sementes de uva que temia em engolir para nascer dentro de si um pé só pra ela.

[O vento: _ Pobre Alice...Rica Alice...]

Seus olhos sempre brilham uma esperança,
Seus braços parecem sempre prontos pro abraço,
Seu sorriso, porta de entrada do amor.

[O vento: _ Tão doce e tão ácida...]

Alice tem grandes relíquias,
Retalhos sortidos que guarda na sua caixinha
E ela guarda com carinho, pois quer ter pra sempre, ela só sabe ser ‘pra sempre’.
Alice é intensa como poucas que já vi...
Como poucas...

Talvez seja por isso a carência,
Intensos não se fartam e nem acho mal nisso.

Alice recebeu um presente no último ano e desde então há um incontestável contentamento nas linhas da face e sinto eu, que a observo há tanto, que Alice tem mais força agora e nem quero pensar como seria ela sem ele.

Mas Alice, como Alice que é, espera algo mais, algo que vem de dentro, um alimento... talvez seja por isso que planta uvas no estômago, para se ver saciada.

Ela me viu a observá-la do canto do olho e me sorriu tão lindamente!
Acho que ela gosta de me saber ali, acho que ela se sente menos sozinha imersa nas estampas do vestido azul.

(Darla)

sábado, março 6

Ponto final


É, foi!

Quem me conhece mais profundamente deve entender a intensidade deste ‘Foi!’.
Foi difícil.
Não pelos cálculos e físicas e professores carrascos e provas e trabalhos...nada disso, quanto a isto, já estou vacinada.

O difícil por muitas vezes foi respirar, pois parecia que andava pelo caminho errado.
Volta e meia me procurava, perdida, no meio da vida, do mundo e só queria sumir...

É, mas esta nunca é a melhor saída e comigo não foi diferente.

Foram tantos momentos de conversa interior e com o Barbudo (apelido novo e carinhoso, influência de um grande presente de Deus).
Às vezes me sentia como que me traindo ou machucando, mesmo que sem querer, como quem se corta ao descascar uma laranja.
Andei, tentei, fui, voltei...

E em todas às vezes encontrei alívio no que mais amo e para aquilo que realmente nasci: escrever. Não se trata de escrever bem ou mal, se faço isso melhor que ensinar ou fazer contas ou projetos, trata-se de amor.

Amo, amo e amo e disto não tenho dúvida.

Estou feliz por ter conseguido, isto é prova de superação e de que os planos de Deus verdadeiramente são maiores que os nossos. Acredito sim que posso ser muito boa e fazer o bem na profissão que me formei, sim, acredito que posso fazer mais com ela. Educar é outra coisa que este curso me permitiu exercer e vi como é bom ter olhos brilhantes em sua direção enquanto ensina. Então, como me disse um velho amigo uma vez: '_ Darlinha é a engenheira mais humana que já conheci!'
É, e é isso que desejo ser.

É...foi!

[Obrigada aos meus pais que seguraram as pontas por esses 7 anos, à Raquel que ouviu e apostou em cada novo plano mirabolante, à Fernanda que suportou meu choro e alimentou meus sonhos, aos meus amigos da ETPC que estão e estarão sempre por perto, em especial ao meu caro Motoca, à minha cousin que acreditou em mim e quando retornei me apoiou com matérias, cadernos e afins, aos amigos da faculdade: Paixão, Marcão e Alisson (os do começo) e aos do fim, sem os quais não teria conseguido: Vivian e João Paulo e todos que acreditaram e me fortaleceram, sem mesmo saber que o faziam (são tantos) e ao meu presentinho André, que chegou no finalzinho desta caminhada,  mas que me sustentou nos momentos decisivos, quando eu mais precisava, e que me entendeu e que me entende e que fez tudo isso ter um gosto muito mais doce.]

(Darla)


segunda-feira, março 1

Três

Um dia, numa conversa ao pé do ouvido, guardada na saudade companheira de quando ele não está por perto, disse-lhe algo parecido com o que agora encontro nos rabiscos dela:

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

[Clarice Lispector]

 Três coisas para as quais eu também nasci.

Perfeita definição Clarice, perfeita!
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