quinta-feira, maio 28


"Eu me sentiria feliz se,
pelo menos uma vez,
eu estivesse quieto no meu canto, parado,
e você me procurasse,
sem que eu tivesse que mover um dedo,
nem sequer esboçar um sorriso.

Eu me sentiria muito feliz se,
ao cair da tarde, encontrasse seu coração
entrando em meu silêncio,
devassando minha solidão,
desprezando minha timidez,
sem sequer mudar nada em mim.

Eu me sentiria irremediavelmente feliz,
se eu tivesse me dado conta
de pelo menos uma,
das tantas vezes em que isso aconteceu,
não só com você,
mas com tanta gente que eu quis."

quarta-feira, maio 27

Seduzida por Ele* e seu amante


No teto, sobre minha cabeça, círculos redondos de luzes, na cor lilás com gotas verdes, giravam, tão lindos, tão atraentes. Um convite à imaginação.
À minha frente, Ele tocando com paixão seu instrumento, que batizei de seu amante.
Perdida nos círculos, com o olhar vago e delirante, senti que por hoje não precisaria fugir pra Pasárgada, pois Pasárgada era ali.
O chorinho pícaro e cheio de sacanagem, como ele mesmo o apadrinhou, com aqueles tons que faziam vibrar cada centímetro do que posso chamar de eu e o céu se abrindo de dentro das bolas roxas e eu ria e ria e ria...
Sob a penumbra do imenso teatro, todos os olhares voltados ao artista, uma única e solteira lágrima saiu dançando pelo rosto, circundando cada poro, desenhando um traço contínuo e linear. E ela desceu e desceu e contornou a curva do queixo e pescoço até encontrar abrigo no colo quente e se perder dentro da blusa, era minha novamente.
Era a lágrima de emoção mais perfeita que havia visto, o que fez eu me sentir artista também por hoje.
Um som especial ganhou a noite fria de fim de maio.
Eu ali, no meio de tanta gente, ironicamente, me senti tão eu, enfim, me senti viva.

(Darla)


[*Obrigada Yamandú Costa]

segunda-feira, maio 25

2ª lei da termodinâmica

 
Ele passou do seu lado.

Corrompendo suas fronteiras territoriais,
desrespeitando o seu espaço, tocando nos seus muros, invadindo seu mundo.
Aumentou sua entropia, alterou o compasso do seu relógio e modificou a órbita dos seus planetas.

Com o ombro guardado à soleira, ainda com as estruturas abaladas, trépida, procurou o reequilíbrio no suspiro pausado e no olhar fingido: impessoal e inexpressivo.

Continuou observando o movimento do lugar,
a vida acontecendo no seu cotidiano peculiar,
ainda travando a batalha inevitavelmente perdida.

[Ele? Sem adeus seguiu, deixando um rastro no vazio]

Engolindo seco, o olhar pesado...
E a porta a segurá-la agora pelos quadris.

Ahhhhhhhhhh...
[Um grito vivo partiu do ventre]

E ela só desejou poder viver.

(Darla)

sexta-feira, maio 22

Minha primeira paixão


*Manuel Bandeira*
Foi nos seus braços que me perdi e me encontrei pela primeira vez
nos seus versos,
na sua fuga,
e na sua melancolia ...
Em 'Pasárgada' me refugio pelo menos uma vez ao dia
E com 'Lua Nova' aprendo a superar as intempéries...
Mas hoje, lendo meu Bandeira, e me deliciando nele...deparei-me com "Confissão" e não pude resistir
E também não posso negar que me senti confissão:

"Se não a vejo e o espírito a afigura,
Cresce este meu desejo de hora em hora...
Cuido dizer-lhe o amor que me tortura,
O amor que a exalta e a pede e a chama e a implora.
Cuido contar-lhe o mal, pedir-lhe a cura...
Abrir-lhe o incerto coração que chora,
Mostrar-lhe o fundo intacto de ternura,
Agora embravecida e mansa agora...
E é num arroubo em que a alma desfalece
De sonhá-la prendada e casta e clara,
Que eu, em minha miséria, absorto a aguardo...
Mas ela chega, e toda me parece
Tão acima de mim...tão linda e rara...
Que hesito, balbucio e me acobardo. "

domingo, maio 17

. . .



Eu estarei assim, aqui
Na eterna e já costumeira sensação da falta do algo
Estarei ali, no local acertado, sob a luz perfeitamente riscada pelo pintor
As rendas sobre o colo
Flores e seus cheiros misturados aos cabelos
E o olhar tristonho e longe [como deve ser]
E nos lábios a sede
[nítida]
Dedilhando a mim mesma
Contando as marcas da vida
Os pés cansados e lançados sobre o mato, ah...o mato cheio daquela umidade quente do solo que me grita: plante-se a mim.
Eu continuarei aqui
Como tela
A pintura
Como exige a arte [a minha]
Enfeitando as paredes e janelas dos outros mundos
Das outras vidas
Dos que respiram.

(Darla)

sexta-feira, maio 15

Dias comuns sabem ser especiais

 
Perdi-me naquela capa inusitada feita de palavras tão cheias dos outros.
Lancei o olhar no sorriso profundo do livreiro despretensioso que me fez ir a Portugal numa meia conversa vespertina de uma sexta-feira de tempo cinzento, regida pela orquestra dos motores que tomavam as ruas. Ele dissertou sobre. Eu ouvi.
Risquei o centro da cidade acompanhada da alma irmã, uma caixa com rubis nas mãos, o sorriso juvenil de quem ainda sente ferver a adolescência, as histórias fantasiadas agora misturadas às reais e as gargalhadas que às vezes vêm da boca do estômago.
O vendedor de caixas e sua explanação sobre a seriedade da moça quase oriental.
O vendedor de borboletas que cultiva suas próprias lagartas, ali mesmo, na vasta praça, sobre o caule da velha árvore que observa o meu cotidiano. Detalhe, elas não o queimam.
Sei onde está cada coisa, cada detalhe, desde o cheiro que gosto ao sorvete de casquinha, o guarda, as crianças, a gente toda e sua correria.
A cidade e suas luzes e barulhos e particularidades guarda o tesouro de cada um que eu nunca poderei sequer conhecer na totalidade.
Resta-me o melhor, continuar dividindo a conversa arrastada e louca com a que até em seriados me é companheira, pensando no moço desejado e vivendo a simplicidade do dia comum.


(Darla)

domingo, maio 3

Não é um pedido, é uma ordem

 
Desejo ser incomodada...
nos meus pensamentos, no meu descanso, no meu sossego.

Ser furtada da inércia, do coração compassado e da previsibilidade de cada ato e de cada plano.

Insatisfação, inconformismo...

Inconseqüência
Incoerência
Inexatidão...

Prefixos a- e in-, todos!

Domingo, mais um dia 03 de qualquer ano e só desejo ser menos eu e mais um mundo.

(Darla)

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